Diante de um contexto onde a pandemia de Covid-19 assola o Brasil e o mundo, diversos setores da sociedade são duramente afetados. Vários processos, outrora corriqueiros, precisam agora inexoravelmente serem revistos, obrigando todos a se adaptarem rapidamente às mudanças. Com o seguro de transporte internacional não poderia ter sido diferente, visto ser parte muito relevante na dinâmica e complexidade do comércio exterior. Ainda mais em um ambiente onde as alterações repentinas nas cadeias logísticas geraram ocorrências em que não há cobertura securitária para a carga.
Portanto, dentre tantas circunstâncias que merecem ser analisadas sob a ótica do seguro de transporte internacional, neste artigo abordaremos três dúvidas recorrentes entre os players do mercado. O intuito também é considerar o porquê, nos contratos das apólices, não existe amparo para estes tipos de acontecimentos.
Questões a serem observadas
A primeira questão é se há cobertura em caso de confisco ou desapropriação, visto que, valendo-se de decretos especiais, vários governos retiveram cargas de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para o combate à pandemia. Isso ocorreu enquanto os embarques ainda aguardavam para saída de exportação ou, inclusive, já estavam em trânsito aduaneiro em terminais portuários e aeroportos.
Outra situação que gera questionamentos se refere à retenção de cargas em caso de falência do transportador aéreo, haja vista que a crise pode abalar este setor e culminar com algo parecido ao ocorrido, há alguns anos, com a maior transportadora marítima de containers sul-coreana, a Hanjin Shipping. A companhia, após decretar falência, permaneceu com cerca de 540 mil containers de carga retidos no mar por um longo período, já que, temendo calotes, os portos não deixavam os navios da Hanjin atracarem ou descarregarem.
E, por fim, se haveria cobertura securitária para os custos decorrentes de demurrage ou detention, caso os portos ou terminais secundários tivessem suas atividades interrompidas ou reduzidas em virtude de medidas sanitárias ou de quarentena.
Análise dessas situações
Em primeira análise, é imprescindível considerar o princípio conceitual expresso na cobertura básica Ampla A, que é a principal cláusula contratual das apólices de seguro de transporte. Na definição desta cobertura, há um entendimento cristalino de que este seguro tem como objetivo cobrir os prejuízos resultantes de perda ou dano material sofridos pelas cargas, em decorrência de quaisquer causas externas. Ou seja, algo que, “de fora pra dentro”, prejudique a integridade da carga.
Neste ínterim, quando se compara a própria essência das três hipóteses elencadas com o âmago deste princípio básico do seguro de transporte, expresso pela cláusula Ampla A, verifica-se que o fato gerador destas ocorrências está mais vinculado ao risco propriamente logístico, político ou financeiro de quem importa, exporta ou transporta uma carga do que a realmente um dano de transporte, diretamente relacionado à integridade do bem.
Ainda, para que não se reste dúvidas, a Circular Susep 354, de 30 de novembro 2007, que rege as condições contratuais dos seguros de transporte, deixa muito explícito no item Prejuízos não indenizáveis o não amparo para:
- Atraso, mesmo que ele seja causado por risco coberto (o que, inclusive, não seria o caso na situação inicialmente mencionada);
- Insolvência ou inadimplemento financeiro dos proprietários, administradores, fretadores ou operadores da aeronave;
- E, por fim, o confisco, nacionalização, requisição ou apropriação antecipada.
Portanto, fica claro que, no seguro da carga, o fato gerador do sinistro deve ser efetivamente um dano à mercadoria ou produto durante o transporte. Também se evidencia a importância de se atentar às principais exclusões que, embora poucas, podem impactar o seu negócio.
Sendo assim, sempre que for contratar um seguro de transporte, fale com um corretor especialista. Desta forma, este exporá com clareza as situações onde o seguro não poderá ampará-lo e, ao mesmo tempo, auxiliará você sobre como e onde buscar o ressarcimento que, legalmente, não poderá ser feito pela companhia seguradora.
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