A começar por contêineres, chegando a embalagens, semicondutores e peças de reposição, o mundo todo passa por uma crise de falta de matérias-primas e insumos essenciais a diversos processos produtivos. A escassez tem sido um dos propulsores da inflação em quase todos os países, especialmente nos menos desenvolvidos como o Brasil, além de dificultar a produção de bens até então abundantes, como carros, eletrônicos e até mesmo produtos como chás e bicicletas.
A resposta curta para a pergunta do título é: a pandemia bagunçou a cadeia logística global e expôs um desafio que pode não ser apenas pontual, mas estrutural. A resposta longa é mais complexa, resultado de uma soma de fatores que tem a pandemia como pano de fundo.
Entre esses fatores estão os novos hábitos de consumo. No fim de 2020, as pessoas que perderam o emprego por causa das medidas de restrição ao convívio social já estavam novamente se recolocando no mercado, o consumo estava se aquecendo e as compras online se firmaram nos hábitos dos consumidores. Sem poder viajar, ir a shows e eventos, os gastos se concentraram nos bens materiais. Novos celulares, novos carros, novos eletrodomésticos.
No Brasil, o e-commerce ganhou mais de 20 milhões de novos adeptos em 2020, de acordo com dados da NeoTrust. As vendas tiveram alta de mais de 57% no primeiro trimestre de 2021, em comparação com o ano anterior. Países ricos tiveram crescimentos ainda mais acentuados.
Os gargalos logísticos começaram a aparecer, inclusive nos países desenvolvidos. Portos passaram a operar no limite de suas capacidades, que ainda eram insuficientes para atender a demanda. A procura por contêineres disparou e, com isso, o preço do transporte marítimo também. Não demorou para que faltasse contêineres, fato que se tornou, ao mesmo tempo, causa e efeito da disrupção vista durante a pandemia.
Quando o mundo inteiro estava adotando as medidas de confinamento, a China estava saindo delas. Todas as nações passaram a comprar máscaras, equipamentos de saúde e outros bens dos chineses. Os contêineres chegavam aos portos de destino e eram descarregados, mas, com a maioria dos países em lockdown, pouca mercadoria havia para carregá-los novamente e fazer o caminho de volta.
Para os portos, não fazia sentido usar a capacidade já limitada de operação para carregar contêineres vazios. Além disso, em países como os Estados Unidos e o Reino Unido houve falta de caminhoneiros, o que dificultou ainda mais que os recipientes vazios fossem levados do destino final até os portos para serem despachados novamente à Ásia.
Assim, contêineres passaram a se acumular em lugares onde não eram necessários e a faltar onde mais se precisava deles, como na China. A falta de uma coisa levou à falta de outra, formando um ciclo que só piorou à medida em que as economias foram reabrindo. No momento em que esta edição de OMDN é produzida, centenas de navios de contêineres estão na fila para chegar a portos sobrecarregados, principalmente nos Estados Unidos e na China.
O principal pilar da globalização – produção de um lado do mundo, conectada aos consumidores de todo o planeta por navios, aviões, trens e caminhões – acabou por se revelar inflexível demais para absorver o abalo causado pela pandemia da Covid-19 e se adequar a novos hábitos de consumo e novas características da força de trabalho.
O sistema de produção just in time, que prevê a eficiência por meio da redução de custos com ociosidade e sem desperdícios com armazenagens de matéria-prima por longos períodos de tempo, também deu a sua contribuição à crise. Com o estoque reduzido ao extremo por uma questão de custos, uma instabilidade pontual na cadeia logística criou uma bagunça que já se tornou estrutural.
O medo de ficar sem contêineres levou fornecedores e clientes ao pânico. Steve Ferreira, fundador da Ocean Audit, descreveu ao site Splash a situação atual como um jogo de dança das cadeiras. “Você não vai querer ficar sem um assento, e esse ciclo se retroalimenta”, afirma, citando exemplos como a Walmart encomendando 149 contêineres de lixeiras em um único navio ou uma fabricante de pneus francesa fechando mais um contrato de fornecimento com uma empresa americana e, com isso, ocupando mais contêineres. “Como os pneus da Michelin vão ser instalados em carros que não podem ser comprados por causa de uma falta de chips?”, ilustra Ferreira.
A escassez de chips para fabricar carros e eletrônicos, aliás, é um dos gargalos mais críticos da atualidade. A produção desses itens não tem como aumentar no curto prazo. “Manufaturar um chip geralmente leva mais de três meses e envolve fábricas gigantes, espaços próprios completamente livres de poeira e máquinas de milhões de dólares”, aponta um relatório da Bloomberg.
A escassez tem várias causas. O peso de cada uma e as nuances do que acontece hoje ainda não são tão claras e, provavelmente, apenas quando a situação já tiver se normalizado é que será possível avaliar em retrospectiva e de forma conjunta.
Situação deve se manter ao menos até 2022
As empresas chinesas responsáveis por 80% da produção mundial de contêineres (CIMC, DFIC e CXICA) afirmam já ter aumentado a produção a níveis recordes, mas ainda é insuficiente para suprir as necessidades. A expectativa mais comum entre gestores do transporte marítimo e especialistas é que o problema logístico mundial só vá se resolver a partir de 2022.
Mas qualquer previsão nesse sentido deve ser encarada com alguma desconfiança, de acordo com o professor Willy Shih, da Harvard Business School. Ele lembra de eventos inesperados que se somaram ao caos, como o bloqueio do Canal de Suez. “Essas coisas continuam a acontecer porque não há folga suficiente na cadeia global de suprimentos. Acredito que a escassez vá melhorar no ano que vem se não acontecer mais nada, mas ultimamente esse pressuposto não tem sido muito bom”, afirmou, ao site Atlas Network.
Como se preparar para o futuro
Por enquanto, a lição mais provável a ser aprendida com a pandemia vem do professor, escritor e consultor John Gattorna, um dos mais respeitados analistas das cadeias de suprimento globais. Ele recomenda que as empresas busquem tornar seus processos produtivos e relações com fornecedores mais resilientes para a sobrevivência no longo prazo, ainda que para isso seja necessário abraçar custos mais altos no curto prazo.
“A pandemia mudou para sempre a forma como trabalhamos. De fato, mexeu com a vida de todos no planeta. Portanto, é fundamental que aprendamos com esse evento que acontece uma vez a cada 100 anos e nos preparemos para as próximas disrupções, quaisquer que sejam suas origens, porque elas certamente virão. Só não sabemos quando”, escreve.
Para maiores informações, consulte a assessoria especializada da UNQ Import Export.