A busca por reparação aos prejuízos causados com o bloqueio no Canal de Suez já está a todo vapor, com movimentação jurídica de todos os principais atores.
O advogado Paulo Fretta Moreira, sócio-administrador do escritório FM&C Advogados, tratou dessas questões em entrevista à revista O Mundo dos Negócios. Na avaliação dele, o episódio expõe a fragilidade da regulamentação de eventos como o ocorrido em março de 2021 e abre espaço para aprimoramento da legislação de comércio internacional, a fim de definir de forma mais clara todas as responsabilidades.
OMDN: Quem deve assumir a responsabilidade pelos prejuízos gerados com o encalhe no Canal de Suez?
Paulo Fretta Moreira: Primeiro, é importante destacar que o bloqueio do Canal de Suez, causado pelo navio Ever Given, gerou um impacto global afetando a economia de diversos países. Como exemplo, tivemos a alta no preço dos combustíveis e a crise de abastecimento de alguns produtos (como o café) para determinadas regiões do planeta.
Objetivamente, a responsabilidade pelos danos que podem ser identificados com maior facilidade, que são aqueles causados pelo atraso dos mais de 200 navios que ficaram à espera da liberação do canal, deve ser assumida pela seguradora da embarcação, sobretudo pelo risco coberto em relação a terceiros.
Naturalmente, a responsabilidade da seguradora tem um limite contratual. Nesse caso, havendo prejuízos que superem esse limite, a responsabilidade pelo excedente pode ser atribuída tanto à empresa proprietária do navio, a japonesa Shoei Kisen, como à empresa operadora da embarcação, a gigante Evergreen, de Taiwan.
Os prejuízos estão sendo estimados em mais de US$ 100 milhões. Dificilmente alguma das partes aceitará assumir essa conta sem brigar. As regras de comércio internacional não são exatamente um mar de calmaria, até porque muitas vezes conflitam com legislações e questões de soberania local dos países envolvidos. Então, essa disputa promete ser longa e ainda mais dispendiosa, até que se chegue a um desfecho possível.
OMDN: Que outras consequências jurídicas podem resultar de situações como essa?
Fretta Moreira: A meu ver, uma das principais consequências seria o aprimoramento da legislação de comércio internacional para prever situações como essa e definindo claramente as responsabilidades, o que certamente pouparia tempo e recursos, principalmente aos afetados por esse tipo de desastre.
Uma solução, que pode vir a ser construída por órgãos de regulação do comércio internacional, como a OMC, seria a criação de um fundo de emergência que poderia socorrer de forma ágil as partes mais fragilizadas, como os pequenos importadores e exportadores. Essa medida certamente evitaria a quebra de muitas empresas, que já estão altamente impactadas pela pandemia do coronavírus e veem seus recursos se esvaindo ainda mais com o atraso na entrega de mercadorias, muitas delas perecíveis.
OMDN: O importador ou exportador que tem prejuízo em decorrência do atraso em casos como esse tem alguma forma de buscar reparação? Quais os caminhos?
Fretta Moreira: Essa questão desnuda a fragilidade da regulamentação desse tipo de evento. Por um lado, os detentores de prejuízos imediatos, como os navios que aguardavam a liberação e o governo Egípcio pela queda na arrecadação, vislumbram a possibilidade de buscar a reparação da seguradora, da proprietária e da operadora do Ever Given. Já os importadores e exportadores afetados não dispõem da mesma clareza de quem devem responsabilizar. A falta de uma legislação global que abarque todas essas questões torna a busca pela reparação ainda mais complicada.
No caso dos empresários brasileiros, a recomendação é que busquem a reparação no âmbito das regras da nossa legislação. Quando você contrata o transporte internacional de uma carga, via de regra há a contratação de um seguro pela empresa que faz o transporte. Desse modo, o empresário deve acionar a transportadora, que por sua vez toma as providências para o pagamento da indenização. Se houver negativa no pagamento, o importador/exportador deve considerar a hipótese de acionar a empresa transportadora e a seguradora judicialmente.
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