O cotidiano na China mudou completamente desde o início do surto do novo coronavírus, no fim do ano passado. A tradicional pausa para o feriado do Ano-Novo chinês, em janeiro, foi além do previsto em todo o país. O retorno ao trabalho tem ocorrido de forma bastante gradual e ainda está longe da normalização. A empresária brasileira Mariel Sambucetti, que reside em Xangai e é proprietária da Mimi Ricci, tem presenciado essas situações no país.
Desde que voltou à China após um período de férias no Brasil, Mariel tem acompanhado as definições do governo. No deslocamento interno, por exemplo, é necessário autorização para viagens, principalmente interestaduais e, muitas vezes, até entre cidades dentro do próprio estado. Além disso, quem se submete a se deslocar a outra região precisa ficar 14 dias em quarentena, antes de ser liberado. “Nas regiões de maior risco não está sendo concedida autorização, apenas uma pessoa por família pode sair de casa para comprar alimentos”, conta.
Independente do destino, qualquer pessoa que precise sair de casa tem que seguir algumas regras. “Na China inteira é compulsório uso de máscara, medir temperatura antes de entrar em qualquer local (prédios, restaurantes, condomínios, fábricas…), sendo responsabilidade do empregador caso os funcionários sejam contaminados por imprudência devido à falta de controle”, expõe.
Atividades econômicas lentas
Essa situação faz com que as atividades econômicas sigam o ritmo lento e burocrático. Por enquanto, de acordo com a empresária, boa parte dos escritórios trabalham remotamente, inclusive a Mimi Ricci. Já as fábricas voltam de forma gradual. Até semana passada, menos de 10% reiniciaram as atividades e a projeção é que em torno de 30% tenham voltado nesta semana.
A estimativa, segundo ela, é que a capacidade produtiva retorne pelo menos 20% em fevereiro, passando para 40% em março. No mês seguinte, 70% das fábricas já devem voltar à produção. Somente a partir de maio é que a situação envolvendo as indústrias deve ser normalizada no país. “As fábricas precisam de autorização para retomarem as atividades e, com a alta demanda de pedidos, as autorizações levam de dois a cinco dias para sair. No caso das regiões de alto risco, devem retomar as atividades somente em março”, detalha Mariel.
Nas províncias da costa leste do país, os governos locais têm oferecido transporte e recompensa para que os migrantes rurais voltem ao trabalho.
Segmentos logísticos prejudicados
Mas não é somente nas fábricas chinesas que as atividades seguem em ritmo bastante lento após o surto de coronavírus. O setor logístico também é impactado, mesmo que indiretamente. De acordo com a empresária, as atividades portuárias estão normais, mas as alfândegas trabalham em número reduzido de funcionários. Os agentes de carga, assim como boa parte dos escritórios, atuam de forma remota.
Um dos problemas que atrasa a cadeia logística é em relação aos containers que aguardam para serem embarcados. Apesar dos contentores já terem sido inspecionados antes do Ano-Novo chinês, faltam motoristas para o transporte em caminhões. “O trânsito interno das fábricas até os portos também é bastante lento, pois há controle interno nas estradas”, destaca a empresária.
Feiras são adiadas
Outro setor que também é afetado pelo surto do novo coronavírus é o das tradicionais feiras chinesas. Entre os eventos que tiveram as datas adiadas está a Chinaplas 2020 e as edições de primavera da Intertextile Shangai. “Apesar de não-oficial até então, já há comentários quanto ao cancelamento da Feira de Cantão. Acreditamos ser melhor postergarem a vinda à China para maio, pois a prioridade é a segurança de todos”, ressalta Mariel.
Impactos econômicos no país
Diante dessas circunstâncias, os impactos começam a ser sentidos na economia chinesa. Pelas informações que a população tem acesso, há queda no Produto Interno Bruto (PIB) em ao menos 1%, com estimativa revisada em 5,2% para 2020. No entanto, segundo Mariel, fala-se em 4,5%.
Também já começa a aumentar o desemprego, que está 0,5% maior do que o período anterior ao surto do coronavírus. “Não há informação quanto ao suporte do Governo, pois o caso é tratado como ‘força de natureza maior’. As empresas devem pagar salários e cumprir com obrigações normalmente, mesmo tendo receita baixa no mês de janeiro devido ao Ano-Novo chinês, e praticamente nenhuma receita em fevereiro, dada a baixa atividade fabril, deficiências logísticas e isolamento laboral”, expõe.
Com um início de ano bastante complicado, as projeções é que o segundo semestre seja de ações econômicas mais agressivas no país, para tentar compensar as perdas.
Incidência do novo coronavírus
O estado de Hubei – que tem a capital, Wuhan, como epicentro da doença – segue entre as principais áreas de risco. Na lista também aparece o estado de Zhejiang, com situação mais crítica no Sul, e a região de Ningbo.
Nesta semana, conforme a NHK World Japan, o número de mortos pelo novo coronavírus ultrapassou 2,2 mil na China. Desses, 96% foram em Hubei. O total de casos confirmados subiu para 75 mil somente no país e quase 1 mil em outras nações.
A notícia positiva informada pelas autoridades chinesas é que 14,3 mil pacientes conseguiram se recuperar da doença. Além disso, a incidência de novos casos fora de Hubei tem diminuído nas últimas duas semanas. Porém, mais de 9 mil pessoas da província continuam em estado grave.