Um assunto envolto em controvérsias é a relação entre o THC (Terminal Handling Charge) e o valor aduaneiro. Por anos, permaneceu nos tribunais brasileiros o entendimento pela não incidência da capatazia na valoração aduaneira, pois isso iria contra à legislação, embora o valor fosse automaticamente adicionado no Siscomex. Contudo, em 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela sistemática de recursos repetitivos, trouxe novo cenário quanto a essa medida. Por maioria de votos, os ministros decidiram alterar o entendimento até então sedimentado pela Corte Superior e autorizar a inclusão do THC na base utilizada para cálculo de tributos incidentes na importação, dentre eles o Imposto de Importação (II), implicando em aumento desses tributos.
Com isso, desde março, a decisão tem gerado incertezas aos envolvidos em operações de Comércio Exterior.
Quando do julgamento dos Recursos Especiais que embasaram o Tema 1.014 do STJ, a Corte colocou os importadores novamente em um cenário de insegurança jurídica. Do dia para a noite, diante da sistemática de julgamento promovida pelo STJ, os Tribunais Regionais também passaram a propagar o entendimento de que a capatazia está, sim, inserida no valor aduaneiro, inclusive passando a não mais conceder liminares para afastar essa cobrança em ações posteriores”, pontua o advogado Rafael Scotton.
Até então, segundo ele, a jurisprudência já estava pacificada sobre a não vinculação do THC no valor aduaneiro. “Até o julgamento, o próprio Superior Tribunal de Justiça mantinha precedentes favoráveis aos contribuintes. Tanto isso era fato que os próprios Recursos Especiais que resultaram na alteração do entendimento chegaram a ter negado o provimento por parte dos ministros sob esse argumento. Perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsável pelo julgamento de processos originários do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, este tema específico já era até motivo de Súmula, o que caracteriza a chamada uniformização de jurisprudência”, acrescenta Scotton.
Possibilidade de reversão do entendimento
Apesar da decisão rumar em sentido desfavorável aos contribuintes, o especialista aponta que ainda existe a possibilidade de reversão deste entendimento pelo próprio STJ e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “No Recurso Especial analisado pelo STJ já foram opostos pelos envolvidos os chamados Embargos de Declaração, podendo ser considerado de efeitos infringentes, e por isso alterar o voto de todos ou de parte dos ministros, e para fins de prequestionamento, medida preparatória para a interposição de Recurso Extraordinário, direcionado ao STF. Isso é um bom indicativo, pois o Supremo, em oportunidades anteriores, já havia delimitado o conceito de valor aduaneiro, e de modo favorável aos importadores”, esclarece Scotton.
Conceito de valor aduaneiro pelo STF
Em relação aos limites do valor aduaneiro, o STF, em 2013, teve a oportunidade de se manifestar quando afastou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo do PIS-Importação e Cofins-Importação, tributos que igualmente o têm como base de cálculo. Para tanto, a Corte considerou o conceito como aquele previsto pelo Acordo de Valoração Aduaneira (AVA-GATT), do qual o Brasil é signatário. “Na época, o STF se baseou no artigo 8º do Acordo, que define, em síntese, que na composição do valor aduaneiro devem ser consideradas apenas as despesas com carregamento e manuseio da mercadoria havidos até o porto de destino. Ou seja, as movimentações havidas no local de destino estariam afastadas, excluindo, assim, a possibilidade de incidência da capatazia”, explica Scotton.
Considerando que há posicionamento prévio por parte do STF, ainda é considerada válida a discussão em juízo pelos importadores. “Quem entrar com medidas judiciais hoje dificilmente conseguirá afastar a incidência logo ao início do processo, por liminar. Mas isso, por si só, não inviabiliza novos processos, além de resguardar o período de restituição de eventuais pagamentos indevidos caso sobrevenha alteração do entendimento proferido pelo STJ. Vale a discussão ainda porque é um assunto que, como dito, contempla precedentes favoráveis pelo STF sobre os limites do valor aduaneiro”, completa o advogado.
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